De espírito crítico e incansável pesquisador, o designer paulista, nascido em Sorocaba, reconhece que foi preciso fazer sucesso no exterior para ser notado no país. “Aqui ninguém me dava bola”, conta. Autor de móveis que foram parar em acervos de museu, Rodrigo enxerga mais ousadia na moda do que no design e busca referências na rua para a inspiração de seus projetos com forte apelo artístico. Nesta entrevista à jornalista Regina Galvão, ele fala sobre o mercado de design, as primeiras conquistas e novos planos: criar sapatos, luminária inspirada no funk e uma coleção de mobiliário para uma galeria de Israel.

Autodidata, Rodrigo Almeida transita entre a arte e o design. Suas peças integram coleções permanentes, como a do Centre George Pompidou, em Paris.

Como foi concebida a coleção para a Beluzo Design vendida pela Boobam?
A Beluzo é uma empresa de mais de 40 anos que recicla produtos e dejetos industriais. Os herdeiros desejavam trabalhar com design e me chamaram para desenvolver uma linha de mobiliário. Sou refratário ao discurso do ecologicamente correto, pois considero isso mais uma questão de cidadania, mas topei o desafio. Dentre as várias opções, escolhi usar placas de inox de câmaras de resfriamento. Tentei interferir o mínimo possível no material por questões sustentáveis, e essa foi a parte mais desafiadora, porque, se fosse gastar mais recursos, não faria sentido seguir com o projeto. O lançamento da linha – que, além de móveis, possui espelho e castiçais – aconteceu em agosto na Made (feira de design arte) e agora estamos vendendo as peças na Boobam.

Cadeira Inoxtro. Rodrigo Almeida para Beluzo.
Sofá Inoxtro. Rodrigo Almeida para Beluzo.
Aparador Inoxtro. Rodrigo Almeida para Beluzo.

Qual sua opinião sobre o design arte?
Acho que foi uma invenção da feira Design Miami. Uma invenção do mercado e não dos designers. O criativo sempre existiu: Sottssas (Ettore Sottsass, 1917-2007)  fazia isso, Memphis (grupo italiano de arquitetura e design fundado por Sottssas em 1981) fazia isso. O trabalho de criação é desenvolver uma linguagem. O design de moda faz isso num desfile e o que vai para a loja, produtos mais comerciais e acessíveis, é decorrência dessa linguagem. No design, acho mais interessante percorrer todo o caminho: do comércio até a arte, e arte no sentido de ser mais conceitual e não de se apropriar de uma manifestação artística.

Cadeira Africa: “A ideia não era repetir o modelo da tradicional cadeira africana, mas criar um objeto afro-brasileiro”, diz Rodrigo.

E as edições limitadas?
Não tem público, é uma invenção de mercado para valorizar as peças: “compra logo porque só são dez”. Esse pensamento vem se perpetuando, e se perpetua porque as pessoas são teimosas e, não, porque dá dinheiro. Vejo os galeristas com quem trabalhei, meu trabalho e o dos meus colegas. O trabalho do designer não é rentável. A fabricação de móvel em grande escala é rentável. Apesar de ter um mecanismo difícil de distribuição, ele ainda é rentável, mas o da criação do design arte não acredito ser rentável.

Banco Trama: peça hoje fabricada pela Nos Furniture e maior sucesso comercial do designer.

Que peça de sua autoria você destaca como um sucesso comercial?
O banco Trama, fabricado pela Nos Furniture, é o que ganhou unanimidade no gosto das pessoas. Poderia vender ainda mais se estivéssemos num mercado pungente. No Brasil, não conseguimos vender em escala porque não há distribuição. Nenhuma marca italiana vende bem porque vende na Itália. Ela vende também para o mercado americano e o asiático, pois consegue distribuir. Nossa distribuição é mínima: São Paulo, Rio, Salvador, Belo Horizonte, e algumas pequenas lojas. Nosso preço acaba sendo mais alto. Uma peça com preço mais acessível atingiria mais gente.

A pesquisa sobre o modernismo brasileiro resultou na poltrona Construtivista, com forte influência no construtivismo russo.

Gosto muito da sua linha Construtivista, como ela nasceu?
Eu queria me aproximar do modernismo, mas não faço parte dessa escola tão proeminente no Brasil, que é a da madeira. Como sou CDF e gosto de estudar, fui pesquisar esse movimento e descobri que ele é uma decorrência da Bauhaus, que, por sua vez, é uma decorrência do construtivismo russo. E essa sim é minha praia, me identifiquei. Daí aconteceu de eu fazer uma espécie de modernismo. Fiz a poltrona Construtivista de jacarandá para a Legado Arte. Compramos dormente, mesas com pé quebrado e reprocessamos a madeira. Fiz quatro peças ao todo e a versão de jacarandá foi um sucesso. A pessoa que comprou pediu para ter exclusividade nesse modelo e pagou por isso. Depois, fiz várias peças inspiradas no construtivismo. É como se tivesse achado um nicho dentro desse mercado para peças mais comerciais. A Nos Furniture também lançará essa poltrona numa versão colorida.

Batizada Exu numa referência ao orixá, esta cadeira fez parte de uma exposição solo de Rodrigo Almeida no museu Afro Brasil, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Hoje, a peça integra a coleção particular de Li Edelkoort, em Paris.

Como se deu sua carreira internacional?
Comecei apresentando meu trabalho aos jornalistas, como sempre faço por aqui. A primeira pessoa que me deu atenção foi o Alessandro Guerriero, fundador do Alchimia, o lado mais pop do Memphis. Ele estava na Belas Artes de Milão, gostou do meu trabalho e me chamou para dar um workshop na academia, depois fiz mais dois. Era a primeira vez que eu viajava para a Itália, isso em 2003 ou 2004. Comecei a conhecer os jornalistas da Elle Decor, da Interni e passei a produzir peças mais conceituais que eu mesmo produzia. Algumas delas foram publicadas e a Maison & Objet Paris me chamou para participar do evento como risign talent. Foi uma indicação dos irmãos Campana, mas eu não os conhecia ainda, conheci Fernando e Humberto muito tempo depois. Minha primeira exposição individual foi em Paris, na FAT Galerie, depois, em Milão, na Patricia Dofmam. Na primeira, apresentei 12 peças e a segunda foi ainda maior. Fiz todas as peças lá, me colocaram em contato com artesãos. Aqui nunca consegui trabalhar com galeria porque eles querem escolher as peças e isso, para mim, não é galeria, é loja.

A cadeira Kawakubo, homenagem à estilista japonesa Rei Kawakubo, faz parte do acervo do Centre George Pompidou, em Paris.

E a Li Edelkoort (papisa das tendências da moda), como ela conheceu seu trabalho?
Sabe que eu nunca perguntei a ela (risos). Li me chamou, em 2011, para uma exposição no espaço da Fendi, em Brera (bairro de Milão). Chamava-se Talking Textiles e tinha duas peças minhas: as poltronas Rei e a Kawakubo, uma homenagem a designer japonesa Rei Kawakubo de quem eu sempre gostei. As duas foram destinadas ao Centre George Pompidou pelo acervo francês que atende a museus.

A moda influencia bastante seu trabalho, não?
Sim, influencia. A moda é mais rápida e o design não fala de sexo nem de hip hop. Acho o design muito clássico em suas propostas, muito congelado, até mesmo o contemporâneo. Estou acompanhando o cara da Balenciaga (o estilista Demma Gvasalia). Ele fala da rua de um jeito bacana e leva isso para o luxo, isso para mim é cultura popular. O design só fala de coisas que já existiram e sempre de forma clássica. Trata todas as correntes, até mesmo a do folclore, de forma acadêmica, gosta da roupagem cult, e acho isso tudo velho. Eu quero falar com meninos do funk, com a cultura real e viva. É isso o que me fascina na moda.

Chaise Labanquette: a peça foi criada especialmente para a Maison Christian Lacroix, em Paris.

Quem você destacaria no universo do design?
Ingo Maurer. Ele rompe com os padrões, ele é incrível, embora já tenha se tornado um clássico e não tem mais contato com a rua. Os Campana rompem bastante também, mas mesmo assim sinto falta de um discurso mais contemporâneo, mais imediato. E isso no design é muito difícil de acontecer.

Como começou sua carreira aqui?
No Brasil, ninguém me dava bola, ninguém me publicava, mas eu fazia minhas peças e batia na porta das pessoas. Todo mundo me conhecia, mas achavam meu trabalho muito experimental e era uma época muito voltada para a decoração. Eu nunca me importei muito com isso porque encarava a carreira de designer como a de artista. Achava normal que ninguém gostasse do que eu fazia. ‘Quando todo mundo gosta, desconfie’, dizia o Alessandro Guerriero para mim. A gente tem o vício do design escandinavo, qualquer designer que aparece aqui segue essa linha, cuja história é gigante, cujas fábricas já sabem fazer e todo mundo já viu.

Você me contou há algum tempo sobre uma peça com inspiração no funk. Ela está pronta?
A luminária do funk será lançada no ano que vem. Estou ainda fazendo o protótipo. Eu e todos os designers investimos na produção de prototipagem. Quero fazer produções menores, pois sempre produzi muito. Produzir menos e melhor. Estou trabalhando também com uma galeria em Israel, mandei cadeira, banco… querem também luminária, mas não tenho nada agora. Ano que vem, desenvolverei uma coleção para eles. Me descobriram pela Li Edelkoort e me chamaram pela primeira vez para um seminário.

Quando a semente do design brotou em você?
Eu pensei em fazer artes plásticas, achava que seria pintor, mas não era bem esse meu suporte. Aos 18 anos, mudei de Sorocaba para São Paulo, isso nos anos 1990. Fiz estágio na Santista e conheci o pessoal da moda. Nessa época, começavam a surgir os desfiles e eu ia a todos. Fui estudar modelagem de roupa, pois precisava me manter em São Paulo e esse era um mercado rentável. Estudei com uma senhora que fazia modelagem para a Gloria Coelho, para o Reinado Lourenço e a marca Equilíbrio.

Isso te ajudou?
Ajudou muito porque hoje eu faço molde quando produzo móvel. Monto o móvel no isopor, muito mais real do que fazer o render. O Konstantin Gric também faz e muitos outros designers. Uso o mesmo isopor empregado em maquetes.

Como você enxerga os criadores daqui?
Acho que aqui não se sabe o que é o criador. Na moda, isso é muito claro. Existe o criador e o difusor de tendência. O criador gera tendência e propõe uma nova linguagem. O difusor espalha a linguagem.

A Barraco, com sobreposições de placas de compensado curvadas, representa a estética do improviso, cujo símbolo maior são as favelas brasileiras.

Quem você considera um criador no Brasil?
O Leo Capote. Ele não abre concessão. É um trabalho difícil de se transformar em produto. Talvez, em outros mercados, fosse possível alguém se interessar em fabricar as peças dele, como aconteceu com a Edra e os Campana. Leo é o maior criativo que a gente tem, não consigo pensar em outro. Não há alguém com a mesma capacidade inventiva, que proponha uma nova linguagem, uma invenção de projeto. Isso é o trabalho do criador. O Nendo (estúdio japonês comandado pelo arquiteto Oki Sato), por exemplo, eu acho muito mais cenografia do que design. Coloca um sofá dos Campana ao lado de uma mesa do Nendo…ela desaparece.

Mas o Nendo é minimalista…
Sim. Se você tira esse objeto do contexto, ele perde totalmente a força, desaparece. Diferente da Patricia Urquiola, que tem um trabalho excelente, sabe equilibrar perfeitamente o escandinavo com o italiano. Também gosto muito do Phillippe Starck, ele é brilhante: na estética, na decoração, em tudo.

Você pinta um cenário não muito animador do design. Já pensou em desistir?
Não, mas há muito tempo venho pensado em outros caminhos. Sempre quis criar sapatos e há algum tempo comecei a fazer alguns protótipos. Vou fotografar os modelos e apresentar aos jornalistas. Visitei fábricas em Franca (interior de São Paulo) e no sul do país, vi que eles exportam em grande quantidade. São 90 fábricas em Franca e 140 no sul, estou aprendendo muito com esse universo. A indústria de sapatos é enorme e os números de produção são impressionantes. O número de empregos para designers de sapatos também surpreende. Quero lançar cerca de doze modelos.

Que conselhos você daria para a nova geração de designers?
Coragem. Acreditar no que faz e fazer dar certo. Estou no design há mais de 18 anos, nunca ninguém me ligou porque viu a foto de um produto feito por mim, mas, de tanto verem, cai a ficha e começam a procurar por você. Não é um reconhecimento rápido, mas possível.


Por Regina Galvão


Visite a loja Beluzo Design por Rodrigo Almeida na Boobam:

Publicado por:Regina Galvão

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